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Ressocialização e arte: uma união que transforma

Por meio de projetos como o Espetáculo Bizarrus, promovidos pela ACUDA e TJRO, reeducandos encontram uma oportunidade para mudar de vida

Por: Juliana Garcez


A ressocialização de pessoas privadas de liberdade é um dos maiores desafios do sistema prisional brasileiro. O que está em jogo é a chance de ex-detentos reconstruírem suas vidas, romperem com o ciclo da criminalidade e se tornarem cidadãos produtivos. Como isso acontece? Por meio de iniciativas de reintegração que oferecem trabalho, educação e apoio psicológico e social.


Mais de 850 mil pessoas estão presas no Brasil, o que coloca o país em terceiro lugar no ranking mundial de população carcerária, segundo o Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen). Diante desse cenário, a ressocialização de apenados, por meio de programas de trabalho, educação e projetos sociais, tem se mostrado uma ferramenta essencial para a reintegração na sociedade.


Durante as atividades, reeducandos aprendem diferentes ofícios, sejam culturais ou de capacitação, como parte dos projetos de ressocialização. Crédito: Célio China
Durante as atividades, reeducandos aprendem diferentes ofícios, sejam culturais ou de capacitação, como parte dos projetos de ressocialização. Crédito: Célio China

Essas iniciativas ganharam espaço em políticas públicas e ações sociais com o objetivo de reduzir a reincidência criminal, oferecendo oportunidades para que os ex-detentos reconstruam suas vidas e evitem o retorno ao mundo do crime. No entanto, mesmo com os esforços, a busca por emprego e a reconstrução da identidade são desafios diários, já que o estigma social de ter passado pela prisão fecha muitas portas.


É nesse cenário que uma importante iniciativa surge em Porto Velho, capital de Rondônia: o Espetáculo Bizarrus, idealizado pela Associação Cultural e de Desenvolvimento do Apenado e Egresso (ACUDA), em uma parceria direta com o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO).

O espetáculo


O Bizarrus integra o projeto Reabilitando Através da Arte, também da ACUDA, e consiste em apresentações teatrais com um enredo que aborda, de forma simbólica, a trajetória de vida individual e coletiva de personagens que adentram o mundo da violência e, ao se verem dentro do mundo prisional, encontram-se em uma profunda crise de identidade. O espetáculo acompanha essa busca pelo verdadeiro “eu”, os constantes dilemas internos e as tentativas de se transformar em uma nova pessoa.


O Espetáculo Bizarrus acompanha a trajetória de personagens que apresentam, coletiva e individualmente, seus principais dilemas internos. Crédito: Célio China.
O Espetáculo Bizarrus acompanha a trajetória de personagens que apresentam, coletiva e individualmente, seus principais dilemas internos. Crédito: Célio China.

Por meio do Bizarrus, os integrantes experimentam mais que ensaios e apresentações: é um espaço para que os reeducandos possam se reconhecer como cidadãos, resgatarem suas autoestimas e acreditarem em um futuro diferente, promissor.


Juiz do TJRO e apoiador do projeto, Sérgio William acompanha de perto o andamento do Espetáculo Bizarrus e os notáveis impactos da arte na vida de reeducandos e egressos do sistema prisional. Crédito: Emerson Rodrigues.
Juiz do TJRO e apoiador do projeto, Sérgio William acompanha de perto o andamento do Espetáculo Bizarrus e os notáveis impactos da arte na vida de reeducandos e egressos do sistema prisional. Crédito: Emerson Rodrigues.

De acordo com o juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Sérgio William, o espetáculo surge da vontade de duas pessoas muito especiais, Luiz Marques, presidente da ACUDA, e o diretor de teatro Marcelo Felice.


“Eles tinham a ideia de buscar alguma forma de reabilitação da pessoa encarcerada. E entendiam que a arte era um instrumento importante para essa reabilitação”, comentou William.


Rogério Araújo, diretor geral da Acuda, observou que os egressos, mesmo com emprego e o apoio da família, de terapeutas e psicólogos, não estavam conseguindo frear o alto índice de reincidência: “Diante disso a gente optou por criar um programa, o Método Acuda de Integração das Oportunidades (MAI). Esse programa vai abordar, vai trazer o autoconhecimento a essas pessoas, porque são elas que têm que decidir por elas”.



Do roteiro à prática, Marcelo Felice organiza todas as etapas para que o espetáculo seja conduzido de forma impactante para quem participa e para quem assiste. Crédito: Célio China.
Do roteiro à prática, Marcelo Felice organiza todas as etapas para que o espetáculo seja conduzido de forma impactante para quem participa e para quem assiste. Crédito: Célio China.

Marcelo Felice, diretor do espetáculo Bizarrus, explica que o teatro foi pensado como uma ponte entre o cárcere e a sociedade: "Nós trazemos com uma capacidade muito humana para a plateia levar uma reflexão, minimizar esse preconceito, trazer as histórias verdadeiras deles, eles escrevem cronologicamente, E eu faço disso uma partitura cênica, mas de certa forma, esse trabalho de quebrar, romper esse paradigma”.


A proposta principal do espetáculo é a de usar a linguagem teatral para provocar reflexão sobre escolhas, liberdade, dor e recomeço. De acordo com dados da ACUDA, mais de 100.000 espectadores já apreciaram o espetáculo Brasil afora.

O impacto dos projetos de ressocialização na vida dos apenados


Estudos nacionais e internacionais mostram que a educação e as atividades culturais no cárcere reduzem significativamente os índices de reincidência. De acordo com levantamento do Sistema Penitenciário Nacional, cerca de 40% dos egressos voltam a cometer crimes cinco anos após saírem da prisão.


Em projetos como o da ACUDA e do TJRO viabilizam novos começos e permitem inclusive a remissão de pena, o que inspira uma mudança genuína naqueles que participam do espetáculo. Ainda de acordo com Rogério Araújo, pessoas que passam pelo menos seis meses inseridas no projeto, tanto no eixo artístico quanto nas terapias e no movimento espiritual que a ACUDA oferece, apresentam melhorias visíveis.


“ACUDA não é a solução, não é um programa de recuperação de pessoas. A ACUDA tem uma metodologia de ofertar a essas pessoas conhecimento. À medida que eles vão processando as histórias e ressignificando em processos terapêuticos também, eles vão modificando a história, saindo de um lugar também de vítima, para um lugar de autorresponsabilidade”, discorreu Rogério.

TJRO e ressocialização: do cumprimento da pena à esperança de um recomeço


É por meio de projetos como o Bizarrus que a mudança se torna possível. O Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, por exemplo, busca a ressocialização dos apenados não somente através da arte, mas também por meio de ações que envolvem a capacitação profissional.

O TJRO atua na promoção de medidas que incentivam a ressocialização de apenados, apoiando programas educativos e acompanhamentos voltados para a reintegração social. Crédito: Célio China.
O TJRO atua na promoção de medidas que incentivam a ressocialização de apenados, apoiando programas educativos e acompanhamentos voltados para a reintegração social. Crédito: Célio China.

Um exemplo é Ednaldo Nascimento, que trabalhou na engenharia do Tribunal de Justiça durante seis anos, por meio de um convênio com a Sejus. Ao cumprir a pena, foi indicado pelo próprio TJRO para uma empresa prestadora de serviços de manutenção nos prédios do Judiciário, onde segue empregado até hoje.


Para Ednaldo, os projetos de ressocialização dao uma nova chance para o reeducando dar início a uma nova história. Crédito: Célio China.
Para Ednaldo, os projetos de ressocialização dao uma nova chance para o reeducando dar início a uma nova história. Crédito: Célio China.

De acordo com Ednaldo, quando o detento adentra o sistema prisional, passa na cabeça dele a realidade de que toda a pena será cumprida em regime fechado.


“Graças a Deus ainda tem os convênios em que você pode sair para trabalhar, igual eu fui indicado, e buscar um meio de mudança. Se ele quiser continuar no crime, ele continua, se não, vem para a sociedade e começa a focar em trabalho, trabalhar e mudar sua vida, igual fiz na minha”, comentou.


A ressocialização mostra que é possível ressignificar escolhas erradas e criar uma nova versão de si mesmo, uma versão que contribui para a sociedade, para o próprio bem e do próximo.Para os reeducandos, esse passo representa uma retomada da esperança. Para o sistema judiciário, é mostrado que punir sem oferecer alternativas é insuficiente. Já para a sociedade, é o convite a repensar preconceitos e abrir o espaço para a reintegração.


Para o Juiz do TJRO, Sérgio William, o poder judiciário tem apoia com empenho projetos que de fato buscam a ressocialização do preso e a modificação de comportamento. Crédito: Célio China
Para o Juiz do TJRO, Sérgio William, o poder judiciário tem apoia com empenho projetos que de fato buscam a ressocialização do preso e a modificação de comportamento. Crédito: Célio China

“Ele só perde a liberdade, ele não perde a condição de dignidade de pessoa humana. E esse resgate que a ACUDA, faz mostrando isso, é muito importante. Por isso que o Tribunal de Justiça apoia integralmente esse projeto”, concluiu o juiz Sérgio William.


Projetos de ressocialização são processos que abrem a visão do apenado e da sociedade, e do lado de fora das grades permitem o encontro de novos caminhos. Ações como a do TJRO e da ACUDA viabilizam a reintegração social, o que impacta diretamente na redução da criminalidade.


 
 
 
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