DO CAOS DA FUMAÇA AO EXEMPLO NACIONAL: Ações lideradas pelo MPRO garantem recorde na redução de incêndios em Rondônia
- Vanessa Mafra - SIC TV
- 14 de out.
- 6 min de leitura
Ação integrada do MPRO com forças de segurança, tecnologia e articulação jurídica faz de Rondônia um exemplo de resposta eficiente às queimadas na Amazônia
Por: Juliana Garcez

O ano de 2024 ficará marcado na história de Rondônia como o período em que o estado registrou índices alarmantes de focos de incêndio e calor, comprometendo não apenas o meio ambiente, mas também a saúde e o bem-estar da população.

Em setembro de 2024, João da Silva, produtor rural de Porto Velho, viu as chamas avançarem em direção ao seu plantio de cana-de-açúcar. “A primeira coisa que a gente pensa é nas plantas sendo queimadas, é tão difícil de plantar e chegar no ponto de colher, principalmente a cana que se pegar fogo não tem como salvar”, afirmou.
De acordo com o produtor, o desafio maior era lidar com a rapidez que o fogo se alastrava. "Conseguimos manter limpa a nossa área, mas não deu para escapar da fumaça" lamentou. Para João, a atuação dos órgãos públicos é importante, mas a colaboração da população é essencial para evitar que a situação se repita.
As queimadas começaram mais cedo do que o esperado. De acordo com o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em apenas seis meses, o número de focos foi o maior dos últimos 14 anos.

Naquele período, Rondônia ocupava a sétima posição entre os estados mais afetados do Brasil. Porto Velho, Candeias do Jamari, Nova Mamoré, Cujubim e Vilhena estavam entre os municípios mais atingidos.
O cenário de seca severa e queimadas excessivas colocou a capital no ranking dos piores índices de qualidade do ar do país, segundo o Índice de Qualidade do Ar, deixando um rastro de destruição na fauna, na flora e, principalmente, na saúde da população.

De acordo com a médica pneumologista Ana Carolina Cruz, em 2024 houve uma redução importante no número de chuvas, o que resultou em queda da umidade do ar. “Isso favoreceu a proliferação de doenças respiratórias, e infecciosas também. Temos na mesma época a sazonalidade do vírus influenza, causando gripe e pneumonias graves. Com isso tivemos um aumento no número de internações e procuras no pronto-socorro.”

A jornalista Luciene Kaxinawá, na época grávida de oito meses, enfrentou o desafio de respirar um ar repleto de fumaça. “Eu sentia a fumaça entrando no peito, queimando. Tinha medo do que isso podia causar no meu bebê. Ficava em casa com portas e janelas fechadas para evitar que a fumaça entrasse.”
A filha de Kaxinawá também chegou a ser internada com problemas respiratórios, como faringite aguda. “Foi um período muito complicado com ela tão pequeninninha, sofrendo com os impactos das queimadas, com a dificuldade para respirar e de lidar com essa situação", detalhou Luciene.
De acordo com o INPE, só no mês de agosto, Rondônia registrou 6.223 focos de queimadas: o maior número dos últimos cinco anos. Em área, foram 1,4 milhão de hectares destruídos, o equivalente a quase 2 milhões de campos de futebol.
A fumaça chegou a paralisar o transporte aéreo. De acordo com a administração do aeroporto de Porto Velho, entre agosto e setembro de 2024, mais de 40 voos foram cancelados, dias em que aeronaves simplesmente não conseguiram pousar ou decolar nos aeroportos do estado.
Nas unidades de saúde, os números também assustaram: em agosto de 2023, foram registrados 706 atendimentos por falta de ar. No mesmo mês de 2024, esse número saltou para 1.076, um aumento de mais de 50%, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde (Semusa).
Reação estratégica: atuação firme do MPRO e queda nos focos
Diante desse cenário crítico, o Ministério Público de Rondônia intensificou a ofensiva contra crimes ambientais. Foram instaurados procedimentos administrativos, realizadas audiências públicas, firmados Termos de Ajustamento de Conduta com produtores e órgãos ambientais, além do lançamento da cartilha “Não Queimar, Para Preservar”, que orientou comunidades inteiras.

De acordo com o promotor de Justiça Pablo Hernandez Viscardi, coordenador do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema), o Ministério Público do Estado de Rondônia criou uma força-tarefa interinstitucional.

"Dessa força tarefa surgiram duas operações: a operação Temporã I que, atua na região do Parque Estadual de Guajará Mirim, e a Temporã II, que na época atuou na região da Estação Ecológica Soldado da Borracha. A partir do momento que começamos essa operação, os focos caíram drasticamente, cerca de 90% pelas estatísticas que temos hoje. Isso mostrou que a atuação interinstitucional baseada em dados científicos traz resultados práticos e efetivos muito bons", comentou o promotor.
Esse esforço também garantiu orçamento extra para contratação de brigadistas, formação de equipes especializadas em georreferenciamento e uso de satélites para monitoramento em tempo real. “O maior legado das atuações do ano passado foi esse trabalho interinstitucional, e isso é tão evidente que não raro, Rondônia tem sido exemplo para outros estados em formas de atuação. Inclusive, vários outros estados chamam o MPRO, nossa polícia ambiental e o Corpo de Bombeiros para capacitar esses outros integrantes para que eles também tenham essa dinâmica de atuação”, afirmou o promotor Pablo Viscardi.

De acordo com o secretário de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania, coronel Felipe Bernardo Vital, o Governo do Estado de Rondônia investiu mais de R$ 26 milhões em trabalhos voltados à intensificação do combate às queimadas. “É um trabalho conjunto de toda a força de segurança, principalmente o Corpo de Bombeiros com a Operação Verde Rondônia, com cerca de 500 militares empregados e com a participação do ICMBio, Secretária Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA), Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM) e brigadistas”, detalhou o secretário.
Rondônia vira modelo: queda de mais de 80% nas queimadas em 2025
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que, de janeiro a agosto de 2024, Rondônia registrou 4.522 focos de calor. No mesmo período de 2025, houve apenas 668, uma redução superior a 84%.
Esse histórico também é monitorado em tempo real pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, o Censipam, que celebra o fato de Rondônia ter um saldo positivo em comparação a outros estados.
Rafael Wagenmacher, técnico do Censipam, comentou que em 2025 Rondônia aparece limpa e sem manchas significativas no Painel do Fogo: “Nós tínhamos uma Rondônia marcada, de cima a baixo, marcada por eventos de fogo, era muito visível, e esse ano nós vemos que não temos a ocorrência de grandes eventos como esse”, afirmou.

O estado que chegou a liderar o ranking nacional de queimadas em 2024, em 2025 se tornou referência para todo o Brasil, apresentando a maior redução de focos de incêndio do país.
Apesar dos avanços, o Ministério Público não recuou. Em 2025, abriu um procedimento para investigar o arquivamento de um projeto que liberaria R$ 10 milhões à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental para o pagamento de diárias a fiscais ambientais que atuam no combate às queimadas.
O promotor de Justiça Pablo Viscardi reforça que sem orçamento não há políticas públicas e ações repressivas e preventivas, e que a não aprovação do orçamento suplementar impactou significativamente nas ações do estado. “No entanto o MPRO, juntamente com a SEDAM, conseguiu alternativas. As ações não pararam, mas nós conseguimos reverter esse cenário juridicamente junto ao Supremo Tribunal Federal. Atuamos na ADPF 743 e o ministro Flávio Dino determinou que Rondônia suplementasse transpassando o embróglio criado pela Assembleia Legislativa. Foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do MPRO com o estado liberando R$ 7 milhões do orçamento para políticas públicas de repressão e prevenção no que toca todos os ilícitos ambientais.”
O desafio da continuidade: manter os bons resultados além da emergência
Pessoas como Luciene e João, que em 2024 enfrentaram de formas diferentes os impactos das queimadas, hoje comemoram a melhoria visível no ano de 2025. As campanhas educativas, a atuação firme do Ministério Público de Rondônia e a integração entre instituições mostraram que é possível mudar a realidade. Ainda assim, o desafio permanece: manter Rondônia no caminho da prevenção.

“Tudo isso tem ajudado a termos esse ar que hoje temos aqui em Rondônia, entre os três melhores do Brasil na redução de queimadas e dos crimes ambientais. O trabalho continua e, se Deus quiser, vamos fechar o ano com zero fumaça em Rondônia”, afirmou o secretário de Segurança Pública, coronel Felipe Vital.
Se 2024 foi o ano da fumaça sufocante, 2025 se consolida como o ano da virada, em que a união entre instituições e sociedade fez de Rondônia uma referência no combate às queimadas e na garantia da proteção da Amazônia.






